terça-feira, 26 de agosto de 2008

Por ruelas e calçadas, da Ribeira até à Foz


Dedicado à Maria e à memória de seu pai.
Por tudo o que o Porto representa para ti.
Saudade eterna, memória e felicidade.

Para quem vem do sul - para quem é do sul - é importante, por vezes, escaparmo-nos até à capital do Norte. O Porto é, por mais que a televisão ou o governo ou as gentes do sul não queiram admitir, uma grande cidade, símbolo de um passado ainda mais antigo, pitoresco e férreo do que o da bela e arejada Lisboa.

A História respira e transpira nas paisagens por vezes coloridas, outras vezes cinzentas do Porto. É essa a magia da amálgama de casario que se estende ao longo do belíssimo Douro. A história que se esconde por trás dos edifícios degradados, das pedras escuras e graníticas que constroem uma cidade escura, inclinada, pontilhada de marcos barrocos, medievais, contemporâneos. Um trilho imenso de séculos que testemunhou a evolução de um pequeno castro pré-histórico até se tornar na invicta e brava cidade que é hoje.

A cidade do Porto nasceu às mãos de Afonso Henriques, corria o ano de 1123. Depois disso, o jovem que viria a ser rei, lutou pela concretização dos sonhos de seu pai, Henrique: obter a independência do Condado Portucalense, transformando-o num reino (terminando com a vassalagem perante Leão), e expandir o território para sul, expulsando o inimigo muçulmano. Para isso, teve de enfrentar o seu avô, o seu tio e finalmente Teresa, a sua própria mãe, que derrotou em 1128, na Batalha de São Mamede, perto de Guimarães. Toda a sua vida lutou para realizar esses sonhos, e embora tenha morrido em 1185, com o Algarve ainda por conquistar, deixou todo um legado de terras, gentes e a esperança da construção de um novo país.

Para quem não tem muito o hábito de viajar para o norte e está habituadíssimo à luz de Lisboa, chegar ao Porto é muitas vezes como fazer uma incursão pelo Estrangeiro. São inúmeros os recantos, ruas, edifícios a fazer lembrar Praga, outros locais lembram Valetta, em Malta, por causa das ruas inclinadas em direcção à água.
Mas o Porto, além de ser um berço português, é também tradição vinícola, e como jornalista de vinhos que já fui, faltavam-me resolver os terríveis pecados de nunca ter entrado nas Caves de Vinho do Porto, em Gaia, e provar do dito, e ainda percorrer o leito duriense, a bordo de um navio de cruzeiro, desde a Régua ao Porto.
Dito e feito. Objectivos cumpridos!


Recomenda-se, nem que seja só por dois dias...

Cruzeiro no Douro

Pode ser marcado no próprio Porto ou Gaia, mas também através da internet; Inclui viagem de comboio do Porto à Régua (9h15/11h45) e viagem de barco, fazendo o caminho inverso (12h/18h), com passagem pelas barragens de Crestuma e do Carrapatelo. A viagem é longa, o almoço a bordo (incluído) é bem servido, e para quem gosta de fotografia tem motivos de sobra para espreitar a vista à proa do barco. No entanto, não sugiro esta viagem para pessoas que viajem sozinhas ou que tenham tendência para se aborrecer. É mais giro ir em grupo, levar jogos, conversas, câmara de vídeo, porque, na verdade, as últimas 4 horas são mais difíceis de preencher. Mas já se sabe, a vista é soberba, sobretudo se estiver bom tempo, e a emoção de entrar no Porto e passar por baixo das pontes vale a pena todo o tempo de espera...




Preço: 55 euros (embora haja outras opções).
















Caves de Vinho do Porto, em Vila Nova de Gaia

Optámos pelas caves da Cálem. Nem foi preciso procurar muito, embora todas as Caves organizassem provas. A experiência custou 3 euros e incluiu uma visita ao núcleo museológico, às Caves onde se encontram os enormes balseiros onde o vinho amadurece, e finalmente à sala de provas, onde nos foram dados a provar dois portos, um branco e outro tawny. Tudo isto acompanhado de explicações sucintas e interessantes relativamente à história do vinho do Porto, às vinhas do Douro, ao fabrico do vinho, às diferentes "modalidades" do licoroso mais famoso do mundo.

Sugere-se também comer antes das provas. Nós até ficámos na esperança que nos colocassem uns queijinhos entre o aperitivo e o digestivo, mas o projecto ficou-se só pela imaginação. Na verdade, até que se sai feliz das caves. Feliz e um pouco cambaleante!

Há muito mais para ver, claro. Desta vez, aproveitámos para ir ao Centro Português de Fotografia, edifício impressionante da antiga Cadeia da Relação do Porto, ver as suas exposições fotográficas (a entrada é gratuita); aos Jardins do Palácio de Cristal, de onde se podem espreitar boas vistas do Porto e de Gaia; ao belíssimo Museu Nacional Soares dos Reis, onde é possível, por exemplo, ficar embasbacado a olhar cada pormenor das esculturas magníficas de Soares dos Reis ou deliciarmo-nos com os rostos das personagens retratadas naquelas telas. Há ainda a sugestão gastronómica que não quero fazer, mas que a tradição obriga. É isso mesmo, a Frán-cezinha! Bomba calórica, mas muito apreciada por estas bandas...!


De resto...? Perca-se por ruelas e calçadas, da Ribeira até à Foz, ou deixe-se levar pelo andar desencontrado do Xico Fininho, da Cantareira à Baixa, ou da Baixa à Cantareira!



Catarina Durão, 23/08/2008

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Batalhas, Castelos e Padeiras

Há quem opte pura e simplesmente por apanhar uma auto-estrada e ABRACADABRA, em x de minutos ou horas está-se no local pretendido, um pouco como quem apanha um avião e aguarda a chegada ao destino, enquanto se contorce no lugar, seja de nervosismo seja de aborrecimento.
Quando se viaja, e se se for um verdadeiro viajante, interessa o pormenor da aventura, do desvio, do imprevisto. Neste passeio que vos vou contar, há a hipótese da auto-estrada, sim, mas a dado momento as rodas do carro tomaram atalhos perdidos e também foi bom deambular pela incerteza do caminho, algures entre o Carregado e Alenquer, a caminho daquela que era a nossa cidade destino: Leiria.


A paisagem é um pouco enfadonha até Rio Maior, mas mais adiante começam a avistar-se as cercanias das Serras dos Candeeiros e de Aire. Se o passeio for feito pela manhã, não haverá muito trânsito até à Batalha, primeira paragem do dia. Aqui fomos prestar as nossas homenagens ao meu "melhor português de sempre" D. João I, que repousa, deitado, junto da sua mulher, Filipa, na igreja do Mosteiro que tomou nome da famosa Batalha que opôs Castelhanos e Lusos.

O Mosteiro da Batalha é sempre um regalo para os olhos de mesmo quem já o contemplou inúmeras vezes. Recorda-nos um tempo em que a nossa Nação tinha o seu futuro em aberto, e um mundo inteiro para explorar. Ele simboliza isso mesmo. O fim de uma época medieval, onde Portugal era apenas um campo de experiências de reis e príncipes e o início de uma aventura moderna sem igual. E D. João, Mestre de Avis, foi o protagonista dessa transição. Em termos de arquitectura, há gótico, manuelino e um pouco de maneirista para contrabalançar. Em cima, a estátua do homem que ajudou D. João nessa sua conquista de pôr fim a um pesado fardo medieval: Nuno Álvares Pereira. Imponente, forte, contrastante, como a sua personalidade e carácter aguerrido. As minhas homenagens também.

De volta ao carro. O caminho até Leiria é curto, mas o objectivo é específico: visitar o castelo.
Este é um destino que nos leva a viajar no tempo ainda mais longe do que na Batalha, uma vez que o protagonista da história de Leiria é sobretudo Afonso Henriques, seu fundador, em 1135.

No entanto, é a história do castelo que nos conduz nesta narrativa medieval, onde por momentos nos perdemos no tempo e subimos, com o suor na testa, o imprevisível caminho até às muralhas fabulosas do monumento, no alto do penhasco cercado pelo rio Lis.

Embora receba entre 60 a 70 mil turistas por ano, o Castelo de Leiria pareceu-me um pouco abrigado dessa massa de visitantes que domina monumentos como por exemplo o Mosteiro da Batalha ou o de Alcobaça. Talvez tivesse sido só impressão, mas na verdade, explorámos os meandros do castelo, com uma sensação de termos esta enorme fortaleza só para os nossos olhos. Percorremos este outrora reduto de defesa e administração religiosa, em busca dos recantos mais apetitosos, das esquinas mais históricas, e encontrámo-los para lá das suas muralhas românicas: as ruínas da Igreja de Santa Maria da Pena, os Paços novos do Castelo, com suas salas medievais e varandas de cortar o fôlego, a altura da Torre de Menagem, o vento a empurrar-nos na direcção do futuro - do estádio do União de Leiria.

Mesmo para quem não tem especial carinho pela História de Portugal, este é um monumento que vale a pena não só ver e aprender, mas sobretudo sentir. Quando se sente a História debaixo das nossas solas e percebemos os contornos das pedras pontiagudas que constroem o castelo, o caminho penoso escadas acima até ao topo, onde cavaleiros carregados de armaduras, cotas de malha e armas pesadas, subiam, ligeiros, espreitando os mouros no horizonte, o tempo fica mais perto, mais tangível e quase mergulhamos numa época onde imaginamos uma cidade sem casas, estradas e automóveis. E num instante, sentimos o silêncio de um tempo onde não tocavam telemóveis, mas sinos, onde pastores, comerciantes ou agricultores dominavam uma paisagem bucólica, limpa de ruídos visuais, tendo um rio como guarda da sua memória. Assim senti eu Leiria, do alto do seu castelo medieval.


Almoçámos num delicioso restaurante-tasca, no centro de Leiria, o Prato Feito (e não Gato Preto, como um de nós sugeriu que fosse, sem óculos) . Recomendo vivamente o bitoque, que vem com tudo, está bem feitinho, e custou apenas 6 euros.
No regresso, decidimos parar na localidade de Aljubarrota, onde estava a ser organizada uma outra incursão aos tempos medievais. No entanto, fomos cedo de mais e só apanhámos os preparativos daquilo que prometia ser uma Feira Medieval espectacular nos dias seguintes. De Aljubarrota retive a sua fantástica localização, junto à Serra dos Candeeiros, e aprendi uns pormenores sobre a D. Brites de Almeida, a padeira mais famosa de Portugal! Era feia, ossuda, tinha 6 dedos em cada mão e matou sete castelhanos à pazada, que se tinham escondido no seu forno!

No fundo, como não podia deixar de ser, completámos a nossa viagem no tempo com um regresso ao tema inicial. A Batalha de Aljubarrota, célebre pela táctica do Quadrado, pelo venerável santo condestável Nuno Álvares Pereira, que comandou os exércitos portugueses, e inspirou toda uma nação a lutar pela sua independência. Tempos recuados esses, em que a coragem e a glória ficavam gravadas na História como marcos de orgulho nacional. Hoje, não passam de episódios caricatos, que nos fazem sorrir ou sonhar, mas sempre como se de um filme se tratasse. Outras batalhas se travam no século XXI, mais subreptícias, menos sangrentas. A mais mortífera para um país é sem dúvida a falta de um espírito guerreiro, aventureiro, que não olha para as páginas do passado, para aprender as melhores lições a aplicar no futuro. A mais mortífera porque sem identidade, um país não passa de um franchising, uma imitação de algo que há em todo o lado.
Valha-nos a Padeira de Aljubarrota, feia e ossuda, que com sua pá, tanto fazia pão como lutava pelos seus ideais. Ainda que ela não soubesse muito bem o que estes seriam.
E esta foi a chave de ouro de um dia de passeio pela história da região de Leiria. Uma pausa em Torres Vedras, para atestar e esticar as pernas. Porque esta coisa de passear, no espaço e no tempo, dá uma fome dos diabos!
Catarina Durão, 14/08/2008






Contactos do Castelo de Leiria:
244813982
div.cultura@cm-leiria.pt
www.cm-leiria.pt

Horários:
Verão - 10h/18h30
Inverno - 10h/17h30

Preços:
Castelo - €1,18
Torre de Menagem e Núcleo Museológico - €2,37

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Galos à solta em Lisboa



É assim. Pululam, saltitam, enchem as goelas e lá vai de cocorocócó! Por todo o lado, quase debaixo dos nossos pés, entre arbustos, árvores e betão. Os patos são os seus companheiros de jardim, mas parece que os ignoram, nos seus cantos histéricos que parecem dizer «quem manda aqui sou eu!». E logo outro estende o pescoço e replica «não! quem manda aqui sou "eu"!».

É estranho, mas verdade, em Lisboa ainda há recantos como o Campo dos Mártires da Pátria, conhecido por Campo Santana, onde dezenas de galos proliferam, sem que se vejam muitas galinhas à volta!


E já agora... para quem não conhece este, por vezes afastado, jardim de Lisboa, recomenda-se...

> Embora o Hospital dos Capuchos esteja muito próximo, um hospital nunca se recomenda a ninguém;

> O restaurante vegetariano mais saboroso de Lisboa - PSI. É um espaço harmonioso, delicado, a transpirar orientalidades e originalidades. O Psi funciona todos os dias da semana e é muito famoso pelas bandas dos Capuchos. Está quase sempre cheio! Uma refeição pode custar em média 10 euros, e o ambiente é tranquilo, vale a pena! Para quem não tem muito apetite, uma bela Salada do Sahara vem a calhar (alface, papaia, tâmaras, nozes e queijo de cabra), ou então um Thali do Psi para quem vem mais esfomeado (não me atrevo a dizer todos os ingredientes). Para sobremesa, NÃO pode perder a Mousse do Deserto, uma surpresa para os mais gulosos!

> Finalmente, aventure-se pela Calçada de Santana até ao Rossio! É um passeio rápido de 10 minutos, por onde pode ficar a conhecer recantos e pormenores de uma Lisboa mais escondida e tortuosa (os caminhos) e perceber a tão célebre topografia lisboeta!

> Chegado so Rossio, e a terminar, não deixe de visitar a impressionante Igreja de São Domingos, a maior e mais malfadada igreja de Lisboa. E não lhe digo porquê... Se não a conhece, entre e veja por si! Eu depois conto-lhe a história!

Catarina D. 13/08/2008