segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Batalhas, Castelos e Padeiras

Há quem opte pura e simplesmente por apanhar uma auto-estrada e ABRACADABRA, em x de minutos ou horas está-se no local pretendido, um pouco como quem apanha um avião e aguarda a chegada ao destino, enquanto se contorce no lugar, seja de nervosismo seja de aborrecimento.
Quando se viaja, e se se for um verdadeiro viajante, interessa o pormenor da aventura, do desvio, do imprevisto. Neste passeio que vos vou contar, há a hipótese da auto-estrada, sim, mas a dado momento as rodas do carro tomaram atalhos perdidos e também foi bom deambular pela incerteza do caminho, algures entre o Carregado e Alenquer, a caminho daquela que era a nossa cidade destino: Leiria.


A paisagem é um pouco enfadonha até Rio Maior, mas mais adiante começam a avistar-se as cercanias das Serras dos Candeeiros e de Aire. Se o passeio for feito pela manhã, não haverá muito trânsito até à Batalha, primeira paragem do dia. Aqui fomos prestar as nossas homenagens ao meu "melhor português de sempre" D. João I, que repousa, deitado, junto da sua mulher, Filipa, na igreja do Mosteiro que tomou nome da famosa Batalha que opôs Castelhanos e Lusos.

O Mosteiro da Batalha é sempre um regalo para os olhos de mesmo quem já o contemplou inúmeras vezes. Recorda-nos um tempo em que a nossa Nação tinha o seu futuro em aberto, e um mundo inteiro para explorar. Ele simboliza isso mesmo. O fim de uma época medieval, onde Portugal era apenas um campo de experiências de reis e príncipes e o início de uma aventura moderna sem igual. E D. João, Mestre de Avis, foi o protagonista dessa transição. Em termos de arquitectura, há gótico, manuelino e um pouco de maneirista para contrabalançar. Em cima, a estátua do homem que ajudou D. João nessa sua conquista de pôr fim a um pesado fardo medieval: Nuno Álvares Pereira. Imponente, forte, contrastante, como a sua personalidade e carácter aguerrido. As minhas homenagens também.

De volta ao carro. O caminho até Leiria é curto, mas o objectivo é específico: visitar o castelo.
Este é um destino que nos leva a viajar no tempo ainda mais longe do que na Batalha, uma vez que o protagonista da história de Leiria é sobretudo Afonso Henriques, seu fundador, em 1135.

No entanto, é a história do castelo que nos conduz nesta narrativa medieval, onde por momentos nos perdemos no tempo e subimos, com o suor na testa, o imprevisível caminho até às muralhas fabulosas do monumento, no alto do penhasco cercado pelo rio Lis.

Embora receba entre 60 a 70 mil turistas por ano, o Castelo de Leiria pareceu-me um pouco abrigado dessa massa de visitantes que domina monumentos como por exemplo o Mosteiro da Batalha ou o de Alcobaça. Talvez tivesse sido só impressão, mas na verdade, explorámos os meandros do castelo, com uma sensação de termos esta enorme fortaleza só para os nossos olhos. Percorremos este outrora reduto de defesa e administração religiosa, em busca dos recantos mais apetitosos, das esquinas mais históricas, e encontrámo-los para lá das suas muralhas românicas: as ruínas da Igreja de Santa Maria da Pena, os Paços novos do Castelo, com suas salas medievais e varandas de cortar o fôlego, a altura da Torre de Menagem, o vento a empurrar-nos na direcção do futuro - do estádio do União de Leiria.

Mesmo para quem não tem especial carinho pela História de Portugal, este é um monumento que vale a pena não só ver e aprender, mas sobretudo sentir. Quando se sente a História debaixo das nossas solas e percebemos os contornos das pedras pontiagudas que constroem o castelo, o caminho penoso escadas acima até ao topo, onde cavaleiros carregados de armaduras, cotas de malha e armas pesadas, subiam, ligeiros, espreitando os mouros no horizonte, o tempo fica mais perto, mais tangível e quase mergulhamos numa época onde imaginamos uma cidade sem casas, estradas e automóveis. E num instante, sentimos o silêncio de um tempo onde não tocavam telemóveis, mas sinos, onde pastores, comerciantes ou agricultores dominavam uma paisagem bucólica, limpa de ruídos visuais, tendo um rio como guarda da sua memória. Assim senti eu Leiria, do alto do seu castelo medieval.


Almoçámos num delicioso restaurante-tasca, no centro de Leiria, o Prato Feito (e não Gato Preto, como um de nós sugeriu que fosse, sem óculos) . Recomendo vivamente o bitoque, que vem com tudo, está bem feitinho, e custou apenas 6 euros.
No regresso, decidimos parar na localidade de Aljubarrota, onde estava a ser organizada uma outra incursão aos tempos medievais. No entanto, fomos cedo de mais e só apanhámos os preparativos daquilo que prometia ser uma Feira Medieval espectacular nos dias seguintes. De Aljubarrota retive a sua fantástica localização, junto à Serra dos Candeeiros, e aprendi uns pormenores sobre a D. Brites de Almeida, a padeira mais famosa de Portugal! Era feia, ossuda, tinha 6 dedos em cada mão e matou sete castelhanos à pazada, que se tinham escondido no seu forno!

No fundo, como não podia deixar de ser, completámos a nossa viagem no tempo com um regresso ao tema inicial. A Batalha de Aljubarrota, célebre pela táctica do Quadrado, pelo venerável santo condestável Nuno Álvares Pereira, que comandou os exércitos portugueses, e inspirou toda uma nação a lutar pela sua independência. Tempos recuados esses, em que a coragem e a glória ficavam gravadas na História como marcos de orgulho nacional. Hoje, não passam de episódios caricatos, que nos fazem sorrir ou sonhar, mas sempre como se de um filme se tratasse. Outras batalhas se travam no século XXI, mais subreptícias, menos sangrentas. A mais mortífera para um país é sem dúvida a falta de um espírito guerreiro, aventureiro, que não olha para as páginas do passado, para aprender as melhores lições a aplicar no futuro. A mais mortífera porque sem identidade, um país não passa de um franchising, uma imitação de algo que há em todo o lado.
Valha-nos a Padeira de Aljubarrota, feia e ossuda, que com sua pá, tanto fazia pão como lutava pelos seus ideais. Ainda que ela não soubesse muito bem o que estes seriam.
E esta foi a chave de ouro de um dia de passeio pela história da região de Leiria. Uma pausa em Torres Vedras, para atestar e esticar as pernas. Porque esta coisa de passear, no espaço e no tempo, dá uma fome dos diabos!
Catarina Durão, 14/08/2008






Contactos do Castelo de Leiria:
244813982
div.cultura@cm-leiria.pt
www.cm-leiria.pt

Horários:
Verão - 10h/18h30
Inverno - 10h/17h30

Preços:
Castelo - €1,18
Torre de Menagem e Núcleo Museológico - €2,37