Reportagem publicada no site de notícias "Onde Ir", a 16 de abril de 2013.
http://ondeir.com.pt/2013/04/passear-pelas-historias-de-lisboa/
Existem cada vez mais agentes de “viagens no tempo” na capital, prontos para encaminhar os próprios lisboetas num passeio que alia a descoberta da História e a saudável prática da caminhada. Esta até podia ser uma reportagem sobre um novo desporto chamado “Lisbon Walker”.
http://ondeir.com.pt/2013/04/passear-pelas-historias-de-lisboa/
Existem cada vez mais agentes de “viagens no tempo” na capital, prontos para encaminhar os próprios lisboetas num passeio que alia a descoberta da História e a saudável prática da caminhada. Esta até podia ser uma reportagem sobre um novo desporto chamado “Lisbon Walker”.
De rabo-de-cavalo, pele bronzeada e óculos espelhados, José Antunes, de 33 anos, lembra mais um explorador ou alpinista do que propriamente um jovem historiador que ganha a sua vida a fazer passeios e a contar histórias. «O meu nome é Zé e vou ser o vosso guia», diz, apresentando-se, à esquina da Praça do Comércio com a Rua do Arsenal. O grupo é composto por mais de vinte pessoas, todas calçando ténis confortáveis. A primeira etapa do passeio, que tem como tema o Terramoto de 1755, começa ali mesmo, entre a sombra e a exposição ao sol, conforme o gosto do “passeante”.
Afinal
o “guia Zé”, o rapaz do rabo-de-cavalo, é um dos fundadores da empresa de
animação turística Lisbon Walker, no mercado desde novembro de 2005. Aliás,
terá sido precisamente no dia 1 de novembro desse ano, quando se comemoravam os
250 anos do terramoto, que a Lisbon Walker deu os seus primeiros passos. Na
época, poucas eram as empresas que faziam este tipo de passeios. Num mercado
que era essencialmente dominado por guias-intérpretes que não viam com bons
olhos a intromissão de outras pessoas no turismo, José Antunes, com formação em
História e em Gestão Cultural, e os seus sócios José Varandas, de Engenharia, e
Rita Macedo, de Comunicação (hoje é Ana Varandas a terceira sócia e não Rita
Macedo) fizeram orelhas moucas aos “velhos do Restelo” e lançaram-se num
projeto que viria a ser referenciado em quase todos os roteiros sobre Lisboa.
Mergulho na História
De
volta à Praça do Comércio, José retira uma pasta com alguma documentação de
apoio: plantas, mapas, fotografias de maquetes. E começa pelo princípio, o da
evolução de Lisboa. Retrata um cenário, que poucos saberão, sobre a cidade
pré-medieval: o esteiro do rio, que avançava na direção do Rossio e que dividia
a Baixa, que hoje conhecemos, ao meio. Desfila, com alguma rapidez, a passagem
por Lisboa de fenícios, romanos, bárbaros, muçulmanos e cristãos. Afinal é a
história de Portugal que nos interessa nesta tarde. Mais especificamente a do
século XVIII.
À
medida que os passeantes seguem José Antunes pela Baixa Pombalina, as
narrativas vão-se acumulando. Repara-se em pormenores da arquitetura da
reconstrução, mas também do século XIX e XX. Na Praça do Município, observa-se
uma empena no edifício que terá sido outrora a Ópera do Tejo, uma sala de
espetáculos com 600 lugares, de meter inveja a muitos reinos europeus,
inaugurada em abril de 1755. Meses depois, o seu destino haveria de terminar em
escombros.
Ao
contrário do que se esperaria de um “guia”, José foge à ideia de contar sempre
as mesmas histórias. É um comunicador fluente, contextualiza, teoriza, dá até a
sua opinião pessoal. Uma passeante deixa escapar uma interjeição, quase em
surdina: «Nem 28 anos deve ter e já sabe
tanto». E não é apenas uma questão de sabedoria mas sim de preparação. É
José quem escreve a maior parte dos guiões dos passeios, mas exige aos seus
colaboradores que se documentem com outras leituras: «Que ninguém se lembre de só ler aquilo. Eu não quero que as pessoas
venham aqui repetir as coisas como se fossem uma cassete», diz, mais tarde.
O
Terramoto é contado de diferentes ângulos. Abalos, tsunami, incêndios e a
confusão gerada por uma das maiores catástrofes naturais da História; a ação do
ministro Sebastião José de Carvalho e Melo e as medidas tomadas no próprio dia
1 de novembro e nos meses e anos que se seguiram. Lisboa passa a ser o
principal estudo de caso para a emergente disciplina da Sismologia, ainda no
século XVIII. Está-se em plena época das Luzes e discute-se hoje, aqui, numa
das ruas reerguidas após o terramoto, o papel desempenhado pela Ciência num
tempo em que era comum associar-se este tipo de fenómenos a castigos divinos. E
ainda bem que o Iluminismo ajudou Eugénio dos Santos e Manuel da Maia a
reconstruir uma cidade moderna, à luz da razão. Se assim não tivesse sido,
teria a Baixa resistido tantos anos?
Observam-se
as montras do Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros, pertencente ao grupo
Millenium-BCP. Por ser domingo, está encerrado, mas, espreitando, dá para ver
um dos locais arqueológicos mais interessantes de Lisboa, onde foram
encontrados vestígios da cidade fenícia e romana, mas também algumas das
fundações da Baixa Pombalina. «Já se
sabe que abrir um buraco na Baixa é meio caminho andado para ter problemas», brinca José, relembrando a descoberta
feita no início dos anos 90 pela instituição bancária, que decidiu promover e
musealizar os vestígios encontrados. É lá que também é possível ver as famosas
estacas de pinho verde que se alimentam do lençol freático que ainda vai
persistindo no subterrâneo daquela zona. A maior parte dos passeantes admite
não conhecer o local e promete regressar, sobretudo tendo em conta que a
entrada é gratuita.
Apostar no público
lisboeta
Embora
a Lisbon Walker trabalhe mais com turistas estrangeiros, durante a semana, é o
público local que mais tem vindo a demonstrar interesse pela história de Lisboa.
E essa é outra vertente da empresa, ou seja, despertar nos próprios lisboetas a
curiosidade de conhecer com mais profundidade a cidade que os acolhe. Mas não é
qualquer pessoa que paga para passear pela História. «Ninguém vem fazer um passeio a pé se não tiver um mínimo de interesse
pela cultura», explica José. A adesão dos portugueses não tem diminuído e
até se adensa em determinados percursos:
«Muitas pessoas vêm fazer o passeio dos espiões, por exemplo, porque lhes
desperta a curiosidade. Já tive pessoas a darem-me indicações de bibliografia e
a enviarem-me livros do estrangeiro», acrescenta o empresário.
As
escolas são outro mercado para a Lisbon Walker. «Fazemos muitos passeios para escolas, do 1.º ciclo à faculdade. Temos
passeios muito específicos, por exemplo sobre a crise de 1383-85»,
exemplifica o fundador da empresa. E prossegue: «Não queremos fazer aulas nenhumas, as aulas são feitas nas escolas,
mas o potencial é este, num contexto de rua, o aluno tem possibilidade de
ganhar memórias visuais que o vão ajudar a consolidar os conteúdos que aprende
na aula».
Além
dos passeios a pé, fazem também atividades com jogos para empresas e grupos
organizados: «É muito giro, inscrevem-se
para vir fazer uma batalha naval ou um peddy paper pela cidade de Lisboa»,
esclarece José. «É uma maneira de
rentabilizar e explorar os conteúdos que aplicamos nos passeios de uma maneira
diferente, e portanto também tem uma parte criativa engraçada», refere.
O melhor para o fim
O
passeio continua na direção da Praça da Figueira. Mira-se o Castelo de São
Jorge, cujas muralhas foram reconstruídas durante o Estado Novo de Salazar,
conjetura-se a origem do topónimo Figueira, relembra-se o Hospital Real de
Todos-os-Santos, destacando-se as suas enfermarias mais especiais, a ala de
psiquiatria da época, ou Casa dos Doidos, e a ala das Doenças Sexualmente
Transmissíveis: «Eles iam para lá para
morrer, mas ao menos morriam com conforto espiritual», brinca José.
A
Igreja de São Domingos ficou guardada para o fim. Ela é um segredo muito bem
escondido da maioria dos lisboetas que apenas passa pela Baixa para fazer
compras: «Prometo uma experiência
inolvidável porque é uma igreja como nunca viram», garante José Antunes,
habituado a observar as reações dos seus passeantes, uma vez transposta a porta
da igreja. E de facto, uma vez mais se confirma. A maioria destes participantes
nunca ali tinha estado e as reações são diversas permeando o espanto e o
horror. Quanto à razão, fica em aberto, até porque o segredo deve permanecer na
vontade do leitor em conhecer a dita igreja, paredes meias com o Rossio. A estória,
essa, é um misto de maldição e massacre, pois foi aqui que, em 1506, se deu um
dos acontecimentos mais negros da História de Portugal e que foi responsável
pelo assassínio de milhares de cristãos-novos, às mãos de uma população instada
pelo discurso inflamado e antijudaico de um frade de S. Domingos.
A
igreja volta a ser referida quando associada ao terramoto, uma vez que se sabe
ter sido uma das principais causadoras dos incêndios que lavraram durante dias,
na já devastada cidade.
As
despedidas fazem-se no Rossio. Em pouco mais de duas horas, havia-se desfilado
por mais de dois séculos e meio de História. E no entanto adivinha-se nos
rostos dos passeantes, que se despedem “até uma próxima”, a ideia de que soube
a pouco, passou depressa. Querem mais.
Baralho
de Cartas-Passeio “Lisbon Walker”
Sugestões
de passeios da Lisbon Walker
Cidade Velha
O Terramoto de 1755
Lisboa 7ª Colina
Lisboa Lendas e Mistérios
Lisboa Cidade do Espiões
A Colina do Castelo
Lisboa Sensorial
Programas para grupos escolares
Peddy Papers e Caças ao Tesouro