O
título desta crónica podia ser “pérolas a porcos”, mas não, não tem nada a ver.
De facto, gostava de falar das pérolas, porque de facto existem, e elas são, por
um lado, as narrativas fabulosas e por vezes maçadoras da nossa História. Ou
então, noutra perspetiva, as pérolas podem ser os extraordinários efeitos
especiais e cénicos que Lisboa Story Centre exibe. Ou seja, dois bons motivos
para que se visite o dito lugar, em plena praça nobre do Terreiro do Paço. No
entanto, ficaria constrangida se tivesse de associar a expressão “porcos” quer
aos organizadores da exposição quer aos destinatários da mesma. Desta feita,
mude-se o adágio, talvez para “dar nozes a quem não tem dentes”. Mais uma vez,
refletindo, talvez não se adeque. Se as nozes forem as estórias, quem é que não
tem dentes?
Outra
vez, do princípio. Estórias e não histórias. O espaço é interessante e tem,
como já referi, uma parafernália de maquetes, filmes, engenhocas de realidade
virtual, manequins e cenários de quase tirar o fôlego. Não é normal visitar uma
exposição tão louca, tão ousada e tão moderna em Lisboa. E para quem vem
visitar, é natural que fique fascinado, caso consiga atinar à primeira ou
segunda com os aparelhómetros do audioguia. A exposição é mais ou menos
circular e só falta mesmo ter uns carris no chão para os visitantes poderem
deslizar pelo espaço, a bordo de um batel mecanizado, tipo Casa dos Horrores da
saudosa Feira Popular.
É
possível “navegar” pelo Lisboa Story Centre, descobrindo as suas etapas,
respeitando o tempo das vozes que nos sussurram aos ouvidos, ainda que por
vezes tenha duvidado se não me terão dado um audioguia para crianças. Não,
pelos jeitos, era mesmo assim. As vozes encenadas, o diálogo entre o puto parvo
que nunca percebe nada do que o narrador diz e o próprio narrador, o Marquês de
Pombal a falar como se fosse um taberneiro, o sotaque manhoso francês de um
Voltaire que fala sobre o terramoto, são apenas uns arranhões auditivos. Passa,
portanto. Como todos andam de auscultadores, penso que ninguém terá ouvido os
meus ataques de riso.
Continuando
o percurso, por vezes estranhamente anacrónico e sensacionalista (caravelas,
Passarola de Bartolomeu de Gusmão, o Miguel de Vasconcelos que é atirado da
janela pelos conjurados, a inquisição e o barroco), o batel imaginário
conduz-nos à verdadeira sala dos horrores. É aqui, sentados no escuro e com
três enormes ecrãs, que se conta como o terramoto aconteceu. Um filme foi
feito, com atores e figurantes vestidos à época, calcorreando as ruas da cidade
setecentista, assistindo às missas nas igrejas. O efeito especial sonoro mais estrondoso
da história da museologia portuguesa abate-se sobre os assistentes: uma espécie
de trovão que faz vibrar as paredes, ou assim o imaginamos, e no ecrã, o
terramoto, pedras caindo em cima das pessoas, igrejas e edifícios
desconjuntando-se, gritos alucinantes que parecem não ter fim, figurantes
mortos que respiram com o peito arfante ou com os olhos a piscar. O tsunami é
claramente filmado na Costa da Caparica, dentro de uma água limpa, onde só
boiam sapatos e se vê na margem um restinho de praia. Aqui já não me safo. As pessoas
estão sem os auscultadores e ouvem o meu riso. “Que insensível!”, parecem dizer
com os olhos.
Perdoem-me
os porcos, as pérolas, os dentes e as nozes. Gasta-se uma quantia absurda para
montar um espaço de estórias, sem que haja o cuidado de se atentar aos
pormenores? Sem que se questione que o Terramoto não aconteceu em segundos, num
só abalo? Que a História de Portugal também é a história da escravatura, dos
autos-de-fé e de governantes absolutistas?
O
riso transforma-se numa ruga de apreensão. Pois é, a consciência histórica é um
mistério só desvendado por alguns. Os outros, a turba, os que passam ou os que
ficam, saem felizes e contentes porque assistiram a uma exposição espetacular,
cheia de engenhocas e bonecos de plástico.