Reportagem publicada na revista Fugas do jornal Público a 9 de fevereiro de 2013.
(http://fugas.publico.pt/Viagens/316654_viajantes-do-tempo-a-procura-do-que-escondem-as-ruas-de-lisboa)
É a nova face do turismo na capital. Há cada vez mais lisboetas a descobrirem a história da sua cidade e mais empresas a liderarem o caminho. A Time Travellers é uma delas
(http://fugas.publico.pt/Viagens/316654_viajantes-do-tempo-a-procura-do-que-escondem-as-ruas-de-lisboa)
É a nova face do turismo na capital. Há cada vez mais lisboetas a descobrirem a história da sua cidade e mais empresas a liderarem o caminho. A Time Travellers é uma delas
Dez horas em ponto. A Casa dos Bicos parece convidar um grupo de 12 pessoas a entrar, mas este não arreda pé dos degraus de entrada. Espera os passageiros atrasados para que o percurso se inicie. A tripulação está a postos, munida de mapas e de histórias, que transporta na mochila. Já estão todos. Bem-vindos a bordo. A viagem vai começar.
Raquel
Policarpo e Inês Ribeiro, guias deste passeio e únicos elementos da tripulação,
vestem t-shirts cor-de-laranja. É a
cor que as caracteriza neste universo cada vez mais polvilhado de agências de
animação turística em Lisboa. Pés e imaginação ao caminho, iniciam a viagem
pela cidade medieval e quinhentista, que começa ali mesmo, no Campo das
Cebolas, e terminará séculos à frente, no miradouro da Graça.
Têm
ambas 28 anos e são arqueólogas de profissão. Tornaram-se empresárias há pouco
tempo, quando inventaram o conceito “Time Travellers”, uma agência que se
dedica «mais especificamente ao turismo histórico e arqueológico, dentro e fora
de Lisboa», esclarece Inês Ribeiro.
Na
capital, fazem sobretudo três percursos: o romano, o islâmico e o medieval, seguindo
quase sempre um fio condutor arqueológico. Levam os seus clientes num trajeto, onde
visitam o Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros, o Museu do Teatro Romano,
a Sé e o Castelo de São Jorge. São os locais mais emblemáticos para se conhecer
melhor a cidade antiga, mas que estão, tantas vezes, escondidos dos olhos do
lisboeta transeunte.
Mas
hoje o caminho é outro e desvia-se do circuito convencional. A arqueologia vai
estar mais escondida. São as estórias dos locais que vão pôr a imaginação dos
viajantes a funcionar. Raquel e Inês vão falar de uma muralha que já mal
existe: a muralha fernandina, cuja construção foi finalizada no reinado de D.
Fernando, em 1376, e que servia de delimitação da cidade. «Graças à arqueologia
têm-se descoberto novos vestígios da muralha», explica Inês aos seus viajantes.
Esclarece ainda que foram descobertos tanques romanos de salga de peixe nas
fundações da Casa dos Bicos, durante as obras mais recentes de que foi alvo o
edifício.
Raquel,
mais extrovertida, começa a motivar os participantes para a descoberta, mas
falham-lhe as datas, para as quais, afirma, não tem tanta cabeça. Não se
recorda do ano em que a Casa dos Bicos foi fundada, mas Inês completa o raciocínio:
«Foi em 1523». De imediato, um dos participantes lança, com semblante
carregado: «Em que mês?», mas logo expulsa uma pequena gargalhada que as
tranquiliza. Afinal, o sentido de humor é algo que se quer nestas viagens.
Alfama recôndita
Uma
planta quinhentista da cidade de Lisboa torna-se uma espécie de mapa do tesouro.
Inês aponta com o dedo a muralha fernandina e indica o percurso que se vai
realizar. O grupo segue, então, na direção de Alfama. O objetivo é conhecer os
limites orientais da velha capital.
O
primeiro desembarque faz-se no Chafariz d’el Rey, cuja história remonta à época
de D. Dinis e termina com a reconstrução de Lisboa, após o terramoto. Fala-se
de água, das regras rígidas de utilização das bicas do chafariz, no tempo em
que ainda existiam escravos e Lisboa era um recetáculo de gentes vindas de todo
o mundo. Observam-se e fotografam-se pormenores.
Alfama
é o bairro a atravessar, mas as voltas tornam-se labirínticas a partir do
momento em que se deixam para trás os caminhos mais conhecidos. Espreita-se um
troço da muralha islâmica, anterior à fernandina, junto ao Chafariz do Poeta,
como quem segue pela Rua da Judiaria para o interior do bairro. E, surpreendentemente,
o grupo inverte de novo a marcha regressando à orla de Alfama.
Mais
uma vez se descobrem histórias e recantos escondidos do lisboeta comum. O Largo
das Alcaçarias surge, isolado e em silêncio, onde dois gatos se espreguiçam em
cantos distintos do local. Raquel conta que foi em tempos um sítio para os
nobres irem a banhos, até porque as águas das nascentes de Alfama eram conhecidas
pelas suas propriedades curativas. Eram as chamadas alcaçarias, «uma espécie de
Spa daquela época», brinca Raquel. Uns metros mais à frente, no Largo do
Chafariz de Dentro, o grupo volta a encontrar vestígios desse passado termal.
A
partir daqui é sempre a subir. O grupo de viajantes depara-se com a Capela de
Nossa Senhora dos Remédios, mandada construir por pescadores, em 1517. O portal
é definitivamente manuelino. A capela tem uma lenda associada, segundo a qual
terá sido encontrada uma imagem de Nossa Senhora dentro de um poço, ali
instalado, cujas águas se tornaram milagrosas. O grupo ouve a explicação de
Raquel, mas tem dificuldade na fotografia. Um automóvel está estacionado à
porta da capela.
Prossegue-se
viagem. A Igreja de Santo Estêvão surge, envergonhada, entre o casario de
Alfama. Um pequeno miradouro serve de pausa para os viajantes, enquanto Inês se
debruça sobre a história do local. As vistas de Lisboa para o Tejo são sempre
surpreendentes, parecem dizer os olhos concentrados de alguns participantes que
viram as costas à igreja. Chuvisca, mas ninguém dá importância. Ainda há muito
trilho para completar.
Fôlego
restabelecido, pés ao caminho. O grupo estranha os edifícios quinhentistas
embaulados, nas vielas estreitas, e descobre histórias de palácios. Entra, por
fim, em território da antiga jurisdição eclesiástica, pelo que Raquel aconselha,
com humor: «Agora portem-se bem». Os pormenores pitorescos de uma Alfama mais
recôndita surgem em catadupa e até a voz de Amália Rodrigues compõe o cenário,
ecoando à janela de um rés-do-chão.
Estórias e lendas
O
longo trilho desemboca, para surpresa de muitos participantes, na famosa Feira
da Ladra, em plena manhã de sábado. Fervilha, lotada de pessoas com os olhos postos
no chão. Entre o grupo, quase todo proveniente da Grande Lisboa, há quem nunca
tenha visitado esta feira, cujas origens se perdem nos tempos medievais da
cidade. «As senhoras, por favor, não se distraiam, depois do passeio terminar,
podem cá voltar», avisa Inês, cuja experiência lhe diz que os ouvidos se fecham
às explicações, quando os olhos procuram pechinchas.
Raquel
delicia-se com as estórias da História de Lisboa. Desenrola ali mesmo, no
jardim Botto-Machado, em plena Feira da Ladra, a lenda associada à Igreja de
Santa Engrácia. Lenda segundo a qual um cristão-novo terá sido condenado à
morte por um crime que não cometeu, corria o ano de 1631. O homem, julgado em
auto-de-fé no terreiro onde se construía a Igreja de Santa Engrácia, terá
lançado a maldição: «Tão cedo morrer inocente como as obras desta igreja nunca
mais acabarem». Certo é que a igreja acabou por não ser construída, fruto de
contratempos sucessivos. Hoje chama-se Panteão Nacional e a sua cúpula
espreita, resplandecente, por cima de telhados, destacando-se na paisagem.
Os
viajantes transpõem as portas da Feira e alcançam a Igreja de São Vicente, que visitam,
por breves minutos. À saída, esticam as pernas, sentados na escadaria branca,
enquanto observam um edifício de traça antiga. Raquel desfia a narrativa
“hollywoodesca” de um capitão de armada português que sobreviveu a múltiplos naufrágios
e que terminou os seus dias num palácio junto ao Mosteiro de São Vicente. Aquele
é o palácio. Num truque de ilusionismo coletivo, o capitão de armada vislumbra-se
a espreitar a uma janela.
O
périplo está quase no fim e requer um esforço adicional para subir a Rua Voz do
Operário. É no miradouro da Graça que a viagem termina. Observa-se ao longe a
parte ocidental da cidade, o restaurado Martim Moniz e um troço da muralha
fernandina entre os novos apartamentos da EPUL. Sara, uma professora de 32
anos, viajante naquela manhã, agradece em nome do grupo: «Não é todos os dias
que viajamos pela história da nossa própria cidade».
Com
o som estridente dos sinos da Igreja da Graça, Raquel e Inês descansam, com os
olhos postos em Lisboa. A sua viagem só agora começou.
Viajar no tempo fora de Lisboa
A
Time Travellers também estende a sua ação além-capital, explorando ruínas
pré-históricas e romanas, castelos, palácios, mosteiros, locais de batalhas e
centros históricos, um pouco por todo o país. E se o viajante tiver a ideia de
fazer um percurso que não esteja disponível na página da Time Travellers,
sempre poderá lançar o desafio às duas arqueólogas, que se encarregarão de
pesquisar e preparar o roteiro proposto, através da modalidade “Faça a sua
História”. E quanto à logística, Inês Ribeiro tranquiliza «Para as viagens de
dois dias, o preço inclui transporte, alojamento, alimentação e entradas em
monumentos. O cliente não tem de se preocupar com nada».
Sugestões
de passeios da Time Travellers, fora de Lisboa
Em
Portugal Sê Romano
O
Reino de Portugal
Histórias
de Príncipes e Princesas
Cidades
com História
Faça
a sua História
Passeios
para grupos escolares e empresasoutubro 2012