sábado, 16 de novembro de 2013

Cheguei ao 12.º ano. E agora, que rumo seguir?

Todos os anos milhares de alunos confrontam-se com a decisão das suas vidas: que rumo académico seguir, quando a crise afecta todos os sectores profissionais?
O desabafo parte de Fátima Silva, de 18 anos: "Estou tão confusa com a vida". Mas é extensível aos milhares de estudantes que todos os anos se confrontam com as difíceis escolhas no acesso ao ensino superior. No caso de Fátima Silva, a confusão perdura desde que, há três anos, tomou a outra grande decisão da sua vida: seguir Humanidades no 10.º ano. "É difícil termos de decidir tão cedo, algo que decide por completo o nosso futuro".
Por estes dias, a decisão é outra e passa por preencher uma candidatura de acesso ao ensino superior, onde terão de se considerar seis hipóteses de curso; seis potenciais caminhos determinantes na construção de uma vida. E Fátima continua confusa, não só porque não tem a certeza de ter as médias necessárias, mas porque, ao decidir um rumo que concilia interesses pessoais e saídas profissionais, estará a deixar de fora duas grandes paixões que entretanto consolidou: teatro e música. Quem a viu actuar no grupo de teatro ou na banda de rock da Escola Secundária Rainha D. Leonor, em Lisboa, não tem dúvidas quanto ao seu talento como actriz e cantora. Mas o fantasma do desemprego e da instabilidade na carreira artística assustam-na e, quase por instinto, arrumou esses sonhos num armário, para mais tarde poder resgatá-los.
Por ora, Fátima segue os seus outros instintos: "Quero cuidar de crianças especiais. Vou tentar fazer a licenciatura em Educação Básica e o mestrado em Educação Especial", revela, acrescentando que, dessa forma, sempre poderá recorrer às artes dramáticas e à música para desenvolver um trabalho mais estimulante junto de crianças com necessidades educativas especiais. Foi a fórmula mágica a que chegou, depois de muitas conversas com amigos, familiares e professores, que lhe deram sugestões e conselhos. Ainda assim, o preenchimento das restantes cinco opções deixa-a apreensiva: "E se não consigo média para entrar?".
O medo do desemprego é o que mais atormenta os jovens candidatos ao superior e talvez por isso seja comum a "desorientação" que muitos sentem nas vésperas da candidatura. Marta Martins, com o 12.º ano em Ciências e Tecnologias, sempre soube que o futuro passaria pela vertente científica. Mas nem isso facilitou a escolha do rumo: "É muito difícil escolher uma coisa com base naquilo que nos imaginamos a ser daqui a tanto tempo. Há uma enormidade de factores que temos de ter em conta e que só deviam chegar mais tarde. Que vida queremos ter? Onde queremos viver? Filhos?"
Já Rui Sousa garante que não está confuso e que desde o 9.º ano sabe exactamente o que quer. Ouviu "muitos conselhos e avisos contraditórios", mas chegou por si próprio à conclusão de que só tem uma vocação, a comunicação social. A rádio, a televisão e o cinema são universos que o fascinam e dos quais Rui já começou a sentir o gosto. Escreve sobre cinema, literatura e televisão no seu blogue Companhia das Amêndoas, desde os 14 anos. Aventurou-se numa estação de rádio escolar e foi um dos coordenadores do projecto "Cinema no Rainha". "Se mantiver a média de 17, estou a pensar seguir Comunicação Visual na Universidade Católica, até porque com essa média consigo obter isenção de propinas. Se não, vou para Ciências da Comunicação na Nova", esclarece o jovem de 18 anos.
"Depende muito das escolas"
No difícil processo de escolha, há os que, como Rui, definem um percurso claro a partir do 9.º ano, mas há uma vasta maioria que passa os três anos do secundário sem fazer ideia do que fazer a seguir ao 12.º. Os apoios previstos pelas escolas nem sempre são suficientes para informar os alunos sobre as ofertas de cursos e faculdades, bem como das médias necessárias para ingressar no ensino superior. Em termos de orientação vocacional, o apoio é mais garantido no 9.º ano, momento fundamental que determina o prosseguimento dos estudos numa área de interesse dos alunos, aferida por meio de testes vocacionais realizados pelos Serviços de Psicologia e Orientação (SPO).
De acordo com a psicóloga do SPO da Secundária Rainha D. Leonor, Joana França, "não existem momentos suficientes nas escolas para garantir uma boa preparação dos alunos do secundário no acesso ao ensino superior". É uma realidade que a ultrapassa e a todos os colegas de profissão, assoberbados com inúmeras tarefas. "Com os mega-agrupamentos e com o aumento de alunos por turma, a situação tende a piorar, até porque não houve alteração quanto ao número de psicólogos".
A própria Ordem dos Psicólogos defendeu, no dia 17, que eram precisos mais 750 profissionais a tempo inteiro nas escolas, de modo a encurtar o rácio de 1500 para mil alunos por psicólogo. A Ordem denunciou ainda o vínculo precário de 176 psicólogos contratados, sem condições para efectuar um trabalho continuado.
A lei que regulamenta os SPO, de 1991, é clara quanto à necessidade de se criarem actividades que fomentem a orientação de alunos, mas não especifica a obrigatoriedade de priorizar a orientação no ensino secundário, com vista a uma maior sensibilização para o superior. Joana não considera que a lei deva ser mudada, "até porque ela prevê autonomia científica e técnica aos psicólogos". O problema é, dentro da gestão do plano anual de actividades dos SPO, conseguir fazer tudo.
Não obstante as dificuldades, Joana França conseguiu agendar com os alunos do 12.º ano sessões de esclarecimento sobre a candidatura ao superior, já de si um processo burocrático e complicado. "Infelizmente, muitos não aparecem nas sessões e, sabendo da existência de um gabinete de orientação, são poucos os que resolvem procurar-me".
É comum muitos jovens chegarem ao 12.º ano sem se aperceberem que existe um serviço de psicologia e orientação. Joana França explica que "o que se faz depende muito" das escolas. "Há professores que organizam visitas a faculdades ou a feiras de orientação, como a Futurália. Às vezes são as faculdades que cá vêm. A antiga Área de Projecto no 12.º ano era mais uma oportunidade para se debaterem esses assuntos, agora até isso desapareceu. Temos muita falta de momentos destes".
Encontrar a vocação
Muitas das informações de que os alunos precisam estão no site do Ministério da Educação, mas não são suficientes para ajudar no processo da escolha. Os pais dos alunos são importantes na decisão mas já não impõem as suas opiniões como há uns anos. "Há mais pais a valorizar os interesses pessoais dos alunos, até porque neste momento todas as áreas apresentam problemas de saídas profissionais", explica a psicóloga.
Isabel Alexandrino, professora de Português na Escola Secundária de Odivelas e directora de turma, confirma a sensação de que há mais encarregados de educação a apoiarem os seus educandos nas suas escolhas pessoais. "Alguns pais que têm possibilidades financeiras recorrem também a psicólogos de orientação vocacional fora da escola", diz. Como directora de turma, tem feito o que pode: "Ajudo alguns alunos a reflectir sobre o que é melhor para eles, aconselho-os e converso com os encarregados de educação, mas as escolhas são feitas em família".
As principais preocupações dos alunos continuam a ser as saídas profissionais, embora ainda existam muitos que "insistem no prosseguimento dos estudos de forma romântica, uma vez que não têm a noção ou das suas reais dificuldades ou das poucas ou nenhumas saídas que esses cursos apresentam", acrescenta Isabel Alexandrino.
A própria adaptação à faculdade pode ser complicada. Pedro Barbosa, 20 anos, esperou um ano para entrar na faculdade, tempo durante o qual aproveitou para melhorar Matemática. Quando foi admitido em Química Aplicada na Universidade Nova de Lisboa, sentiu o embate: "Consegui acompanhar a grande maioria das matérias, mas em relação aos métodos de trabalho e de estudo nem tanto. Acabava as semanas psicologicamente esgotado".
Outras vezes, são os cursos que trocam as voltas aos estudantes. Foi o que aconteceu a Patrícia Dias, de 20 anos, que iniciou o seu percurso em Enfermagem, há dois anos, mas que, ao constatar que não tinha vocação para enfermeira, decidiu recandidatar-se a Medicina Veterinária. Foi a experiência no terreno que lhe deu a certeza do que queria fazer para o resto da vida: "Enquanto terminava o primeiro ano em Enfermagem, procurei uma clínica veterinária onde pudesse passar algum tempo, assistir a consultas, receber conselhos de profissionais da área. Foi esse período que me permitiu encontrar a vocação", conta Patrícia.

21.07.2013