Todos
os anos milhares de alunos confrontam-se com a decisão das suas vidas: que rumo
académico seguir, quando a crise afecta todos os sectores profissionais?
O
desabafo parte de Fátima Silva, de 18 anos: "Estou tão confusa com a
vida". Mas é extensível aos milhares de estudantes que todos os anos se
confrontam com as difíceis escolhas no acesso ao ensino superior. No caso de
Fátima Silva, a confusão perdura desde que, há três anos, tomou a outra grande
decisão da sua vida: seguir Humanidades no 10.º ano. "É difícil termos de
decidir tão cedo, algo que decide por completo o nosso futuro".
Por
estes dias, a decisão é outra e passa por preencher uma candidatura de acesso
ao ensino superior, onde terão de se considerar seis hipóteses de curso; seis
potenciais caminhos determinantes na construção de uma vida. E Fátima continua
confusa, não só porque não tem a certeza de ter as médias necessárias, mas
porque, ao decidir um rumo que concilia interesses pessoais e saídas
profissionais, estará a deixar de fora duas grandes paixões que entretanto
consolidou: teatro e música. Quem a viu actuar no grupo de teatro ou na banda
de rock da Escola Secundária Rainha D. Leonor,
em Lisboa, não tem dúvidas quanto ao seu talento como actriz e cantora. Mas o
fantasma do desemprego e da instabilidade na carreira artística assustam-na e,
quase por instinto, arrumou esses sonhos num armário, para mais tarde poder
resgatá-los.
Por
ora, Fátima segue os seus outros instintos: "Quero cuidar de crianças
especiais. Vou tentar fazer a licenciatura em Educação Básica e o mestrado em
Educação Especial", revela, acrescentando que, dessa forma, sempre poderá
recorrer às artes dramáticas e à música para desenvolver um trabalho mais
estimulante junto de crianças com necessidades educativas especiais. Foi a
fórmula mágica a que chegou, depois de muitas conversas com amigos, familiares
e professores, que lhe deram sugestões e conselhos. Ainda assim, o
preenchimento das restantes cinco opções deixa-a apreensiva: "E se não
consigo média para entrar?".
O
medo do desemprego é o que mais atormenta os jovens candidatos ao superior e
talvez por isso seja comum a "desorientação" que muitos sentem nas
vésperas da candidatura. Marta Martins, com o 12.º ano em Ciências e
Tecnologias, sempre soube que o futuro passaria pela vertente científica. Mas
nem isso facilitou a escolha do rumo: "É muito difícil escolher uma coisa
com base naquilo que nos imaginamos a ser daqui a tanto tempo. Há uma
enormidade de factores que temos de ter em conta e que só deviam chegar mais
tarde. Que vida queremos ter? Onde queremos viver? Filhos?"
Já
Rui Sousa garante que não está confuso e que desde o 9.º ano sabe exactamente o
que quer. Ouviu "muitos conselhos e avisos contraditórios", mas
chegou por si próprio à conclusão de que só tem uma vocação, a comunicação
social. A rádio, a televisão e o cinema são universos que o fascinam e dos
quais Rui já começou a sentir o gosto. Escreve sobre cinema, literatura e
televisão no seu blogue Companhia
das Amêndoas, desde os 14 anos. Aventurou-se numa estação de rádio escolar
e foi um dos coordenadores do projecto "Cinema no Rainha". "Se
mantiver a média de 17, estou a pensar seguir Comunicação Visual na
Universidade Católica, até porque com essa média consigo obter isenção de
propinas. Se não, vou para Ciências da Comunicação na Nova", esclarece o
jovem de 18 anos.
"Depende muito das
escolas"
No
difícil processo de escolha, há os que, como Rui, definem um percurso claro a
partir do 9.º ano, mas há uma vasta maioria que passa os três anos do
secundário sem fazer ideia do que fazer a seguir ao 12.º. Os apoios previstos
pelas escolas nem sempre são suficientes para informar os alunos sobre as
ofertas de cursos e faculdades, bem como das médias necessárias para ingressar
no ensino superior. Em termos de orientação vocacional, o apoio é mais
garantido no 9.º ano, momento fundamental que determina o prosseguimento dos
estudos numa área de interesse dos alunos, aferida por meio de testes
vocacionais realizados pelos Serviços de Psicologia e Orientação (SPO).
De
acordo com a psicóloga do SPO da Secundária Rainha D. Leonor, Joana França,
"não existem momentos suficientes nas escolas para garantir uma boa
preparação dos alunos do secundário no acesso ao ensino superior". É uma
realidade que a ultrapassa e a todos os colegas de profissão, assoberbados com
inúmeras tarefas. "Com os mega-agrupamentos e com o aumento de alunos por
turma, a situação tende a piorar, até porque não houve alteração quanto ao
número de psicólogos".
A
própria Ordem dos Psicólogos defendeu, no dia 17, que eram precisos mais 750
profissionais a tempo inteiro nas escolas, de modo a encurtar o rácio de 1500
para mil alunos por psicólogo. A Ordem denunciou ainda o vínculo precário de
176 psicólogos contratados, sem condições para efectuar um trabalho continuado.
A
lei que regulamenta os SPO, de 1991, é clara quanto à necessidade de se criarem
actividades que fomentem a orientação de alunos, mas não especifica a obrigatoriedade
de priorizar a orientação no ensino secundário, com vista a uma maior
sensibilização para o superior. Joana não considera que a lei deva ser mudada,
"até porque ela prevê autonomia científica e técnica aos psicólogos".
O problema é, dentro da gestão do plano anual de actividades dos SPO, conseguir
fazer tudo.
Não
obstante as dificuldades, Joana França conseguiu agendar com os alunos do 12.º
ano sessões de esclarecimento sobre a candidatura ao superior, já de si um
processo burocrático e complicado. "Infelizmente, muitos não aparecem nas
sessões e, sabendo da existência de um gabinete de orientação, são poucos os
que resolvem procurar-me".
É
comum muitos jovens chegarem ao 12.º ano sem se aperceberem que existe um
serviço de psicologia e orientação. Joana França explica que "o que se faz
depende muito" das escolas. "Há professores que organizam visitas a
faculdades ou a feiras de orientação, como a Futurália. Às vezes são as
faculdades que cá vêm. A antiga Área de Projecto no 12.º ano era mais uma
oportunidade para se debaterem esses assuntos, agora até isso desapareceu.
Temos muita falta de momentos destes".
Encontrar a vocação
Muitas
das informações de que os alunos precisam estão no site do Ministério da Educação, mas não são
suficientes para ajudar no processo da escolha. Os pais dos alunos são
importantes na decisão mas já não impõem as suas opiniões como há uns anos.
"Há mais pais a valorizar os interesses pessoais dos alunos, até porque
neste momento todas as áreas apresentam problemas de saídas
profissionais", explica a psicóloga.
Isabel
Alexandrino, professora de Português na Escola Secundária de Odivelas e
directora de turma, confirma a sensação de que há mais encarregados de educação
a apoiarem os seus educandos nas suas escolhas pessoais. "Alguns pais que
têm possibilidades financeiras recorrem também a psicólogos de orientação
vocacional fora da escola", diz. Como directora de turma, tem feito o que
pode: "Ajudo alguns alunos a reflectir sobre o que é melhor para eles,
aconselho-os e converso com os encarregados de educação, mas as escolhas são
feitas em família".
As
principais preocupações dos alunos continuam a ser as saídas profissionais,
embora ainda existam muitos que "insistem no prosseguimento dos estudos de
forma romântica, uma vez que não têm a noção ou das suas reais dificuldades ou
das poucas ou nenhumas saídas que esses cursos apresentam", acrescenta
Isabel Alexandrino.
A
própria adaptação à faculdade pode ser complicada. Pedro Barbosa, 20 anos,
esperou um ano para entrar na faculdade, tempo durante o qual aproveitou para
melhorar Matemática. Quando foi admitido em Química Aplicada na Universidade
Nova de Lisboa, sentiu o embate: "Consegui acompanhar a grande maioria das
matérias, mas em relação aos métodos de trabalho e de estudo nem tanto. Acabava
as semanas psicologicamente esgotado".
Outras
vezes, são os cursos que trocam as voltas aos estudantes. Foi o que aconteceu a
Patrícia Dias, de 20 anos, que iniciou o seu percurso em Enfermagem, há dois
anos, mas que, ao constatar que não tinha vocação para enfermeira, decidiu
recandidatar-se a Medicina Veterinária. Foi a experiência no terreno que lhe
deu a certeza do que queria fazer para o resto da vida: "Enquanto terminava
o primeiro ano em Enfermagem, procurei uma clínica veterinária onde pudesse
passar algum tempo, assistir a consultas, receber conselhos de profissionais da
área. Foi esse período que me permitiu encontrar a vocação", conta
Patrícia.
21.07.2013