de Catarina Sampaio Rolim e Catarina Durão Machado, Revista 2, 15 setembro 2013
A
original designação da Sé de Lisboa dá nome a uma das novas freguesias da
capital: Santa Maria Maior. A maior fusão a nível nacional agrega 12 juntas do
centro histórico. O que vai mudar?
À
porta do n.º 116 da Rua dos Remédios, em Alfama, Mário Soares de Almeida
espreita o movimento. Os seus óculos de lentes grossas denunciam as grandes
dificuldades de visão do comerciante de 86 anos. Está emoldurado pelos panos de
cozinha que tem pendurados à porta da sua loja e que exibem galos de Barcelos
em cores diferentes.
A
rua é uma das fronteiras entre a futura freguesia de Santa Maria Maior e de São
Vicente. Mas do traçado, Mário Soares de Almeida pouco sabe. Diz apenas que os
candidatos já por ali passaram a distribuir folhetos. Recorda-se que um deles
tem um mapa e vira as costas para o procurar. "Esse senhor parece que é o
chefe que vai juntar as freguesias. Ora leia", diz o lojista, entregando
uma folha dobrada em três. Confirma-se que o candidato do PS já por ali passou
e deixou mapas para a população se orientar.
A
partir de 29 de Setembro, 12 das mais antigas freguesias de Lisboa e do país
deixarão de existir para se fundirem numa só: Mártires, Sacramento, Madalena,
Santa Justa, Sé, Santiago, São Cristóvão e São Lourenço, Castelo, Socorro, São
Miguel, São Nicolau e Santo Estêvão. A maioria está situada nos bairros de
Alfama e da Mouraria, duas no Chiado e três abarcam a totalidade da Baixa
Pombalina. Com a nova freguesia, serão 11 cargos de presidente de junta que
deixarão de existir também. A concorrer ao lugar de comando em Santa Maria
Maior estão Lurdes Pinheiro, da CDU, actual presidente da Junta de Freguesia de
Santo Estêvão (Alfama), António Manuel, através da coligação PSD/CDS/MPT, e que
preside a autarquia de São Nicolau (Baixa), e o socialista Miguel Coelho,
deputado municipal.
É
a maior agregação de freguesias em Portugal, mas nem por isso será uma
megafreguesia, até porque o número de eleitores - 13 mil - continuará a ser
baixo, comparado com o de Marvila, com mais de 36 mil. Geograficamente, também
não será a maior - Olivais e Benfica são as mais extensas. Mas é a que
concentra mais património histórico e, por consequência, mais turismo. Não só
nas praças - Terreiro do Paço, Rossio, Praça da Figueira, Restauradores, Martim
Moniz, Largo do Município - como nos bairros antigos, sobretudo Mouraria, Sé e
Alfama.
O
espaço a que corresponde Santa Maria Maior testemunhou o nascimento e a
evolução da cidade de Lisboa. Fenícios, romanos, visigodos, muçulmanos e
cristãos moldaram, ao longo de mais de 2500 anos, o espaço que viria a ser a capital
portuguesa, cujo acesso ao rio traria recursos naturais, comércio e uma posição
geoestratégica que permitiu que as principais estruturas de apoio aos
descobrimentos se implantassem ali. Lisboa cresceu, assim, em torno da colina
do Castelo. Os seus limites seriam assegurados ora pela cerca moura (construída
por volta dos séculos IV ou V) ora pela muralha fernandina (século XIV) - que
acabará por delinear as fronteiras do que será hoje Santa Maria Maior.
Segundo
o geógrafo João Seixas, a capital mudou muito nos últimos 30 anos. "O
centro histórico de Lisboa tem sido despovoado [devido] à dispersão
urbanística", comenta à Revista 2. Mas Santa Maria Maior será "uma
freguesia de diversidade", afirma. "É muito importante que cada
bairro de Lisboa, incluindo a própria Baixa, tenha diferentes classes sociais,
etárias e económicas... A maior riqueza de qualquer cidade é a sua
diversidade."
A
pedido do presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), António Costa, João
Seixas coordenou, juntamente com o investigador Augusto Mateus, o estudo
Qualidade de Vida e Governo da Cidade (2010). Os inquéritos indicaram que 82%
da população estava de acordo com a reforma das freguesias lisboetas.
"Segundo o inquérito que fizemos, quase ninguém estava satisfeito com o
seu governo de proximidade... Há uma fraquíssima identificação dos lisboetas
com as suas actuais freguesias", continua João Seixas.
A
lei da Reorganização Administrativa de Lisboa (apresentada pelo PSD e PS) foi
assim promulgada em Novembro do ano passado, 54 anos após a última reforma do
género na cidade (mas em sentido inverso), que aumentava de 43 para 53 as
freguesias lisboetas. A partir das próximas eleições autárquicas, a 29 de
Setembro, serão reduzidas para 24 - um número só comparável ao verificado em meados
do século XVI. O que justifica uma lei própria para Lisboa, face à
reorganização administrativa nacional, são as condições específicas da capital
enquanto grande área urbana - tal como estabelece a Constituição.
O
encolhimento de 53 para 24 destas autarquias locais resulta sobretudo de um
critério demográfico que visa equilibrar o número de população residente em
cada freguesia, permitindo uma acção autárquica mais eficaz. Ou seja, já não
fará sentido manter uma freguesia com menos de 400 eleitores, como a dos
Mártires (a mais antiga da Lisboa cristã), quando existem freguesias com mais
de 36 mil eleitores.
Não
é isso que pensa Luísa Silva, de 69 anos, moradora em Alfama. "Para mim,
vai ser sempre freguesia de Santo Estêvão", afirma, apoiada numa canadiana,
dentro da loja de flores do n.º 79 da Rua dos Remédios. Precisa de parar para
descansar enquanto sobe a rua, e aproveitou para pôr a conversa em dia com a
florista, Ermelinda Carapinha, de 49. Já ouviram falar da nova freguesia e
confirmam que os moradores estão apreensivos com a mudança. Ouvem dizer que vão
ficar sem os serviços da actual junta, sem a carrinha que transporta os
velhotes, sem a sua presidente mesmo ali ao pé. Luísa Silva está inconsolável:
"Que juntassem São Miguel e Santo Estêvão ainda concordo, agora juntar-nos
lá para a Sé..."
O
principal objectivo da nova reorganização administrativa de Lisboa passa por
uma transferência de competências da câmara para as freguesias. De acordo com o
estudo encomendado pela CML há quatro anos, são essas competências que vão
passar a dotar as autarquias de um maior poder e autonomia na implementação de
serviços. Ao fazê-lo, a CML terá de transferir orçamento, meios técnicos e
humanos proporcionais à soma das freguesias agregadas. Simultaneamente, o objectivo
será também o de reorganizar as funções internas da câmara.
Para
João Seixas, é necessário "aproximar os espaços políticos de Lisboa dos
espaços das questões", ou seja, reforçar a proximidade entre eleitores e
eleitos, contribuindo para a eficácia do poder local. O que poderá levar o seu
tempo. Com base no exemplo europeu, o académico esclarece que este processo de
delegação de competências pode demorar o equivalente a "dois ou três
mandatos", isto é, oito ou 12 anos.
Ainda
é cedo para determinar com certeza o que vai mudar na nova freguesia. A CML
distribuiu por todas as 53 freguesias lisboetas pequenos guias com informações
sobre as alterações que as eleições vão trazer a Lisboa, sobretudo no que às
novas competências das juntas diz respeito. Mas a florista Ermelinda Carapinha
acusa: "Isto não vai ser uma junta de freguesia, vai ser uma
minicâmara."
Em
Alfama, pouco importa para a população se as ruas vão passar a ser lavadas por
pessoal da junta ou da câmara, ou se será preciso pedir uma licença num sítio
ou no outro. São os serviços a que as pessoas se habituaram que mais preocupam
os habitantes destes bairros, onde as colinas íngremes e estreitas
impossibilitam a existência de uma rede de transportes públicos. Em freguesias
como Castelo, Santiago ou São Miguel, nas quais praticamente um terço da
população é idosa, muitos dos habitantes contam com o apoio das suas juntas de
freguesia, que pode traduzir-se em postos de enfermagem, consultas de dentista,
assistência social ou numa carrinha que transporta os idosos para o centro de
saúde. E Luísa Silva sente o receio de perder tudo isso: "Tiraram os
correios daqui e agora tiram a junta de freguesia, fica aqui um bairro sem
coisa nenhuma, só de velhos. Sentimo-nos abandonados."
O
orçamento previsto para cada uma das novas 24 freguesias também é um dos pontos
que suscitam dúvidas na reorganização administrativa: mais de 4.930.000 euros é
quanto está destinado a Santa Maria Maior para o primeiro ano de mandato,
quando a limítrofe freguesia da Misericórdia (que juntará Encarnação, Mercês,
Santa Catarina e São Paulo) recebe quase menos dois milhões de euros para um
número muito próximo de 13 mil eleitores. De todas as freguesias de Lisboa,
Santa Maria Maior é a que recebe mais dinheiro.
A
candidata pela CDU, Lurdes Pinheiro, não compreende o critério de uma
distribuição que lhe parece injusta. "Se for para intervir como deve ser,
o dinheiro não chega. Precisávamos de três vezes mais", aponta.
António
Manuel, candidato do PSD, avalia que o total "está perfeitamente ao
alcance", até porque acredita que uma boa gestão não precisa de muito
dinheiro e é isso que tem feito ao leme da Junta de São Nicolau, nos últimos
oito anos. Miguel Coelho (PS) também concorda com o valor e justifica-o: por um
lado, a "centralidade" da freguesia agregadora, que tem as praças
mais emblemáticas, o que também "encarece o resultado final em termos de
manutenção". Por outro, uma "população flutuante muito próxima do
meio milhão de pessoas" também desgasta o espaço público, originando
despesa.
Nas
suas intenções, os três principais candidatos divergem em alguns pontos, mas
são unânimes ao reiterarem que a proximidade é a maior preocupação de uma junta
de freguesia. Uma das formas de se se salvaguardar essa relação é mantendo os
funcionários que trabalham para as 12 juntas. "As pessoas têm de ficar com
a sua ligação no bairro. É com eles [os funcionários] que falam todos os
dias", defende Lurdes Pinheiro, a presidir a Santo Estêvão há 12 anos.
António Manuel e Miguel Coelho concordam. "Aquela relação de proximidade,
física até, na nova freguesia de Santa Maria Maior não se vai perder",
afirma o candidato socialista.
António
Manuel assegura que pretende conservar os postos de trabalho, mas já Lurdes
Pinheiro questiona o realismo da medida: "E depois, vindos os funcionários
da câmara, como é que vai ser?" E teme que as juntas não tenham voto na
matéria quanto à transferência dos recursos humanos. Contudo, manter os
funcionários do quadro de todas as autarquias é uma garantia legal e um respirar
de alívio para muitos fregueses. Miguel Coelho afirma: "Todos eles serão
úteis e terão que fazer."
Uma
funcionária de uma das 12 juntas, que pediu para não ser identificada, confessa
que não está com medo de perder o emprego, mas que ainda assim a assusta a indefinição
de não saber onde vai trabalhar, com quem e se perderá o estatuto que
entretanto adquiriu no local onde trabalha há mais de 25 anos. "Aqui faço
de tudo um pouco, apesar de pertencer ao pessoal da limpeza. Em Santa Maria
Maior, de certeza que não me vão pôr atrás de um computador ou a atender
telefones."
Com
a manutenção de tantos funcionários, resta também saber se as instalações das
antigas juntas se vão manter abertas e, com elas, os serviços que são
prestados. É uma decisão que pode afectar não só os residentes, mas também os
que trabalham naquelas zonas, sobretudo na Baixa e no Chiado, e que contam com
os ATL das juntas para deixar os filhos depois da escola, situação que
acontece, por exemplo, na Junta de Freguesia dos Mártires, cuja população
flutuante é sobretudo de trabalhadores na área. Para além disso, há um conjunto
de actividades que são desenvolvidas pela junta, como desporto, línguas ou
informática, que podem estar em risco.
Mas
pelo menos durante um ano é certo que irão manter-se abertas as actuais
instalações das juntas, nem que seja como delegações da futura freguesia. Esta
foi uma decisão unânime da comissão instaladora, formada pelos 12 actuais
presidentes e que se tem vindo a reunir ao longo dos últimos seis meses para
preparar a transição. Quem não participa nas reuniões quinzenais da comissão é
Miguel Coelho, que não preside a nenhuma junta. Mas não está preocupado, até
porque é regularmente informado pelos seis presidentes do PS que têm assento na
comissão instaladora. Conhece portanto o "ritmo de trabalho" e o que
"vai sendo discutido", assegurando que, na sua experiência de
deputado municipal, nada lhe "é estranho do que acontece numa junta de
freguesia".
A
cargo da comissão instaladora está também a definição do local da sede da
freguesia, embora esta não seja uma questão consensual entre os candidatos. A
candidata da CDU vê o funcionamento da futura sede como "uma espécie de
pequena Loja do Cidadão", mas nada adianta sobre o local, tal como António
Manuel, que desvaloriza a questão por ser "uma sede administrativa".
O local mais provável é o edifício do Elevador do Castelo, na Rua dos
Fanqueiros (inaugurado no dia 31 de Agosto). "O presidente da câmara já
tinha falado nisso informalmente. Pessoalmente, acho muito bem", afirma Miguel
Coelho, o candidato socialista.
A
localização da sede não é um detalhe para a população. Luísa Silva aponta para
a sua canadiana e deixa o recado: "Se tiver de ir votar à Sé, não vou de
certeza! Não vou eu nem vai a grande maioria das pessoas de Santo
Estêvão."
Há
muitas mourarias", diz-nos Pedro Santa Rita, da Associação Renovar a
Mouraria, num passeio pelas ruas onde o fado nasceu. O bairro foi-se
desenvolvendo ao longo dos séculos, criando zonas com tradições históricas
diferentes: a "baixa Mouraria" pertence à freguesia do Socorro; a
"alta Mouraria" a São Cristóvão e São Lourenço (onde se instalou uma
população a viver à sombra de grandes palacetes); o Martim Moniz e a Rua da
Palma - zonas mais comerciais - pertencem a Santa Justa. Outras franjas do
bairro abrangem ainda as freguesias da Madalena, Graça e Anjos.
Na
esplanada d"A Parreirinha, Vitorino Silva, de 62 anos, e Emílio Castro, de
61, vêem os turistas passar pela Rua da Guia. Vitorino defende: "O
problema está na descredibilização da classe política aos olhos do povo."
Admite que no fim das campanhas eleitorais, a distância entre eleitos e
eleitores acentua-se e, talvez por isso, "a maior parte das pessoas na
Mouraria" não ligue "nenhuma à nova freguesia". Emílio concorda
com Vitorino quanto ao alheamento dos moradores: "Se perguntarem à maior
parte das pessoas do bairro quem é a presidente da junta de freguesia, ninguém
conhece."
Em
freguesias como Socorro, onde 40% da população residente é de naturalidade
estrangeira, ou Santa Justa, onde chega aos 35%, o risco de abstenção é
elevado, já que os imigrantes só poderão votar nas autárquicas se tiverem visto
de residência e se houver reciprocidade no país de origem (ou seja, se os
portugueses puderem votar nesses países). Também os jovens que já nasceram no
bairro não têm por hábito ir às urnas. "80% da juventude não vota, eu sei
porque costumo ir para as mesas de voto", conta Emílio. O morador
reconhece que a gente do bairro tem uma maior proximidade com Pedro Santa Rita
e Inês Andrade, da Renovar a Mouraria - projecto iniciado em 2008 para
reabilitar o bairro -, do que com as instâncias políticas.
N"A
Parreirinha, a proprietária Cristina Correia, 44 anos, passa os dias a
cozinhar. De avental sujo e vozeirão potente, baixa o tom de voz para dizer:
"Eu concordo com a junção das freguesias, não concordo num âmbito tão
grande. Se tivessem juntado uns bairros mais pequenos, teria sido melhor."
Uma Junta de Freguesia da Mouraria faria mais sentido? "Com esse nome ou
outro, tanto faz, o que acontece é que eu acho que davam mais atendimento a
esta zona toda", conta. "É que no fim de contas os gastos são sempre
os mesmos. A única coisa que vai deixar de haver é tantos presidentes",
afirma Cristina.
O
bairro é uma amálgama de habitantes que já nasceram na Mouraria - ou que lá se
instalaram há décadas -, de imigrantes (asiáticos, africanos e europeus), mas
também de uma população mais jovem, que escolheu o bairro pela centralidade e
rendas mais baixas do que noutras zonas da cidade.
Cláudia
Castelo, 41 anos, trabalha num atelier de design. Mudou-se há sete anos para a
Freguesia do Socorro. Acreditou que a zona estava a mudar e quis fazer parte
dessa transformação. Hoje, reconhece que a presença dos imigrantes e dos seus
negócios "veio trazer uma nova vida", apesar de continuar a ser
"endemicamente pobre".
Mas
a adaptação não foi fácil. "Ali os estrangeiros não são só os chineses e
os indianos e os africanos. As pessoas do bairro tratam os que vêm de fora
[mesmo os portugueses] como se fossem estrangeiros. Há ali um bairrismo
superarreigado." No caso dela, ajudou ter tido uma filha. Os vizinhos
"passaram a ser mais simpáticos".
Um
dos problemas que se arrastam tanto na Mouraria como noutros bairros lisboetas
é o da recolha do lixo, por não existirem caixotes na rua. As juntas distribuem
sacos aos moradores, que depois os colocam à porta. O cheiro torna-se
insuportável. Para Cláudia, o poder local não tem contribuído para a resolução
do problema, nem existe entre as freguesias do Socorro e de São Cristóvão um
trabalho conjunto, apesar de as duas juntas estarem próximas: "Já me
aconteceu ir à Junta de São Cristóvão levantar os sacos, por ficar mais perto
da minha casa, e eles não mos darem porque não pertenço àquela junta",
exemplifica. Acredita que com a reforma das freguesias vai passar a haver "um
olhar para os problemas muito mais global e sistémico". Uma vez que
considera existir uma interdependência que une as diferentes zonas de Santa
Maria Maior, defende que "é preciso entender o núcleo do centro histórico
como um elemento só".
Não
é o medo de perder a identidade que faz os moradores de Alfama ou da Mouraria
serem contra uma fusão tão grande, até porque as noções de "bairro" e
de "freguesia" são diferentes. Cristina Correia explica que a
agregação das 12 autarquias poderá ter falhas porque os "problemas de junta
de freguesia da Mouraria não são com certeza os mesmos problemas das juntas da
zona do Chiado", por exemplo. "Eles", diz Cristina, referindo-se
aos moradores do Chiado, "são diferentes de nós, não tem nada a ver".
Ao contrário do que se passa na Mouraria, "eles estão mais virados para o
comércio e para o turismo".
Esse
"ser diferente" é algo que existe em cada bairro. Em Alfama, o dono
da sapataria Ondina, Vasco Santos, de 72 anos, explicava que a nova freguesia
não poria em risco a identidade do bairro. "Existe um sentimento bairrista
que é natural e que vai existir sempre, enquanto nós existirmos." Também a
florista da Rua dos Remédios, Ermelinda Carapinha, não tem esse receio. Mas tem
outro: "O bairro mantém-se, mas não se mantém este... achego."
João
Seixas salienta que uma organização identitária vai além dos limites da
freguesia: "Não há marcha de Santo Estêvão ou de São Miguel, há marcha de
Alfama. Há marcha da Bica, que nunca foi uma freguesia. Lisboa é uma cidade de
bairros. É talvez, em termos de proximidade, o seu maior activo
identitário." E acredita que isso nunca vai desaparecer.
Para
o investigador, está a nascer um novo paradigma, uma nova forma de encarar o
poder autárquico. Esta é uma das maiores mudanças que João Seixas vê na
reorganização das freguesias. "As freguesias têm origem nas paróquias.
Aquela visão do sr. presidente da junta como pároco [está a sofrer] uma mudança
de paradigma. O papel será sobretudo o da liderança [política]"
O
geógrafo acredita que esta é uma reforma que "vai no sentido do
enriquecimento da democracia" no que toca ao poder local, e que
"daqui a alguns anos as pessoas vão começar a perceber o aumento da
qualidade de vida na cidade". Apesar de, segundo João Seixas, esta reforma
já ter sido aplicada em todas as outras capitais e grandes cidades europeias, é
preciso bom senso, ressalva. "Temos de dar passos lentos e seguros, ou
seja, temos de ser conservadores no progresso."
15.09.2013